Estudo traz
uma mostra da situação em estabelecimentos particulares de Niterói
Por Luana
Dias
“Caçoaram de um menino
negro, mas como era uma brincadeira, ele não liga. Ele também brinca”. “Um
menino publicou fotos de macaco e marcou alunos via facebook”. “Fulano é
pretinho e por isso tem o cabelo ruim”. Estas foram algumas das respostas espontâneas dadas por alunos de escolas
particulares de Niterói sobre as situações de racismo presenciadas nas escolas.
O material faz parte da pesquisa do Doutor em Politica
Social pela UFF, Diretor Geral da Escola Superior de Advocacia da OAB Niterói,
e advogado com atuação na área educacional há 20 anos, Carlos Alberto Lima
de Almeida. Ele é o autor da pesquisa “Vamos
colocar o Preto no Branco? A percepção dos alunos sobre racismo, antirracismo e
a Lei 10.639/2003”, realizada com 213 alunos do 9º ano do
ensino fundamental de cinco escolas da
rede privada, além de 30 profissionais envolvidos com a educação
escolar, entre gestores, coordenadores e professores.
“A pesquisa teve como
objetivos gerais contribuir para a produção de conhecimentos relativos à
operação do racismo na sociedade brasileira, em especial no campo da política
de educação, e verificar as estratégias que os profissionais da educação vêm
utilizando para enfrentar o problema”, afirma Dr. Carlos Alberto Lima de
Almeida.
As escolas que participam
da amostra estão situadas no bairro de Icaraí, em Niterói, onde se encontra, segundo dados extraídos de pesquisa
realizada pela Fundação Getúlio Vargas com base no CENSO 2010, um recorte de
concentração da elite de renda no município de Niterói. Para
86,9% dos alunos entrevistados na pesquisa, é possível afirmar que existe
racismo no Brasil. Porém,
ao responderem a pergunta sobre o próprio racismo, 82,2% disseram que não são
racistas. Segundo o pesquisador, tal constatação converge para o discurso de
que o problema do racismo não está em cada um de nós, mas no outro.
Diante da
pergunta “Você já presenciou ou tomou
conhecimento de alguma situação de racismo na escola?”, 37,6% dos
entrevistados responderam afirmativamente, ou seja, mais de 1/3 dos
pesquisados, que relataram 80 situações, supostamente relacionadas ao racismo
na escola. A maior parte delas –
relatadas por 33 alunos – estão relacionadas a utilização de variantes de cor a
partir de expressões como “neguim”, “preto”, “pretinho”, “negrinho”, entre
outros exemplos.
Outros 16 relatos
foram agrupados em situações diversas presenciadas, com indicações imprecisas
envolvendo “brincadeira”, “jogo de futebol na hora do recreio”, “apelido”,
entre outros exemplos.
“Há uma necessidade das
instituições de ensino e dos profissionais que nela trabalham perceberem a
importância do pátio escolar no processo educacional. Neste espaço, muitas
vezes demasiadamente livre nas escolas, são travadas as relações de poder,
disputas, bullying, entre outros
exemplos, muitas vezes subestimados na dimensão da responsabilidade da escola” ,
recomenda o pesquisador.
Entre as
outras respostas, destacam-se expressões com relação à natureza do sujeito,
como “macaco”, ou situações em que as expressões associavam pessoas negras a
contextos de delinquências e/ou defeitos morais, tal como “da pessoa negra
entrar na sala e a outra pessoa dizer ‘é bandido’''.
A pesquisa
também traz informações sobre as providências adotadas pelas escolas nos casos
de racismo. Dos 77,5% que haviam presenciado estas situações, 22,5% responderam
que foram tomadas providências, ou seja, em apenas ¼ dos relatos. Dentre as
principais ações, estão: “Diálogo/Orientação”, “Retratação”, “Sanção
disciplinar” e “Desdobramento judicial”.
“As respostas
me conduzem a levantar a hipótese de que as situações de racismo não chegam ao
conhecimento da escola e dos profissionais que nela trabalham. Porém, fica a
dúvida da real dimensão do trabalho que é realizado para evitar situações de
racismo. As respostas apresentadas na pesquisa qualitativa me revelaram que os
profissionais da educação que trabalham nas escolas pesquisadas em geral não
identificam situações de discriminação racial na escola”, analisa Dr. Carlos
Alberto Lima de Almeida.
Ainda segundo
o pesquisador, quando os profissionais são indagados com questionamentos que
permitem certa elasticidade de interpretação, tais como “Nem de longe? Nenhuma
piada? Nenhuma provocação?”, surgem respostas como “Não há discriminação racial
porque nas turmas em que leciona não existem alunos negros.”, “Piadas sim. Mas
não chega a ser discriminação.”, “Não há discriminação porque não tem aluno
pobre.”
Um outro
aspecto que chamou atenção do pesquisador foi “a terceirização do enfrentamento
da questão com os filhos”.
“Para muitos
pais, a postura de tentar transferir para a escola a responsabilidade de
enfrentar todas as demandas relacionadas à educação, é um fato consolidado. A
lógica consumerista que permeia as relações educacionais no setor privado de
ensino subverte o próprio comando constitucional, no sentido de que a educação,
direito de todos e dever do Estado e da família, já não precisa da família
colaborando”, conclui.
O resultado
da pesquisa foi divulgado em março e o estudo na íntegra será publicado pela
UFMG. Em outubro, Dr. Carlos Alberto Lima de Almeida irá
participar do 9º Congresso Rio de Educação,
quando abordará, em oficina, o tema Gestão Escolar e Responsabilidade
Civil. O evento está sendo organizado pela Sinepe Rio.
Muito bacana essa pesquisa. Soube inclusive terá um livro publicado.
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