quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Preconceito nas escolas

Estudo traz uma mostra da situação em estabelecimentos particulares de Niterói

Por Luana Dias

“Caçoaram de um menino negro, mas como era uma brincadeira, ele não liga. Ele também brinca”. “Um menino publicou fotos de macaco e marcou alunos via facebook”. “Fulano é pretinho e por isso tem o cabelo ruim”. Estas foram algumas das respostas espontâneas dadas por alunos de escolas particulares de Niterói sobre as situações de racismo presenciadas nas escolas. O material faz parte da pesquisa do Doutor em Politica Social pela UFF, Diretor Geral da Escola Superior de Advocacia da OAB Niterói, e advogado com atuação na área educacional há 20 anos, Carlos Alberto Lima de Almeida. Ele é o autor da pesquisa “Vamos colocar o Preto no Branco? A percepção dos alunos sobre racismo, antirracismo e a Lei 10.639/2003”, realizada  com 213 alunos do 9º ano do ensino fundamental de cinco escolas da rede privada, além de 30 profissionais envolvidos com a educação escolar, entre gestores, coordenadores e professores.
         “A pesquisa teve como objetivos gerais contribuir para a produção de conhecimentos relativos à operação do racismo na sociedade brasileira, em especial no campo da política de educação, e verificar as estratégias que os profissionais da educação vêm utilizando para enfrentar o problema”, afirma Dr. Carlos Alberto Lima de Almeida.
As escolas que participam da amostra estão situadas no bairro de Icaraí, em Niterói, onde se encontra, segundo dados extraídos de pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas com base no CENSO 2010, um recorte de concentração da elite de renda no município de Niterói. Para 86,9% dos alunos entrevistados na pesquisa, é possível afirmar que existe racismo no Brasil. Porém, ao responderem a pergunta sobre o próprio racismo, 82,2% disseram que não são racistas. Segundo o pesquisador, tal constatação converge para o discurso de que o problema do racismo não está em cada um de nós, mas no outro.
Diante da pergunta “Você já presenciou ou tomou conhecimento de alguma situação de racismo na escola?”, 37,6% dos entrevistados responderam afirmativamente, ou seja, mais de 1/3 dos pesquisados, que relataram 80 situações, supostamente relacionadas ao racismo na escola.  A maior parte delas – relatadas por 33 alunos – estão relacionadas a utilização de variantes de cor a partir de expressões como “neguim”, “preto”, “pretinho”, “negrinho”, entre outros exemplos.
Outros 16 relatos foram agrupados em situações diversas presenciadas, com indicações imprecisas envolvendo “brincadeira”, “jogo de futebol na hora do recreio”, “apelido”, entre outros exemplos.
“Há uma necessidade das instituições de ensino e dos profissionais que nela trabalham perceberem a importância do pátio escolar no processo educacional. Neste espaço, muitas vezes demasiadamente livre nas escolas, são travadas as relações de poder, disputas, bullying, entre outros exemplos, muitas vezes subestimados na dimensão da responsabilidade da escola” , recomenda o pesquisador.
Entre as outras respostas, destacam-se expressões com relação à natureza do sujeito, como “macaco”, ou situações em que as expressões associavam pessoas negras a contextos de delinquências e/ou defeitos morais, tal como “da pessoa negra entrar na sala e a outra pessoa dizer ‘é bandido’''.
A pesquisa também traz informações sobre as providências adotadas pelas escolas nos casos de racismo. Dos 77,5% que haviam presenciado estas situações, 22,5% responderam que foram tomadas providências, ou seja, em apenas ¼ dos relatos. Dentre as principais ações, estão: “Diálogo/Orientação”, “Retratação”, “Sanção disciplinar” e “Desdobramento judicial”. 
“As respostas me conduzem a levantar a hipótese de que as situações de racismo não chegam ao conhecimento da escola e dos profissionais que nela trabalham. Porém, fica a dúvida da real dimensão do trabalho que é realizado para evitar situações de racismo. As respostas apresentadas na pesquisa qualitativa me revelaram que os profissionais da educação que trabalham nas escolas pesquisadas em geral não identificam situações de discriminação racial na escola”, analisa Dr. Carlos Alberto Lima de Almeida.
Ainda segundo o pesquisador, quando os profissionais são indagados com questionamentos que permitem certa elasticidade de interpretação, tais como “Nem de longe? Nenhuma piada? Nenhuma provocação?”, surgem respostas como “Não há discriminação racial porque nas turmas em que leciona não existem alunos negros.”, “Piadas sim. Mas não chega a ser discriminação.”, “Não há discriminação porque não tem aluno pobre.”
Um outro aspecto que chamou atenção do pesquisador foi “a terceirização do enfrentamento da questão com os filhos”.
“Para muitos pais, a postura de tentar transferir para a escola a responsabilidade de enfrentar todas as demandas relacionadas à educação, é um fato consolidado. A lógica consumerista que permeia as relações educacionais no setor privado de ensino subverte o próprio comando constitucional, no sentido de que a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, já não precisa da família colaborando”, conclui.


O resultado da pesquisa foi divulgado em março e o estudo na íntegra será publicado pela UFMG. Em outubro, Dr. Carlos Alberto Lima de Almeida irá participar do 9º Congresso Rio de Educação, quando abordará, em oficina, o tema Gestão Escolar e Responsabilidade Civil. O evento está sendo organizado pela Sinepe Rio. 

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