Praticantes de voo livre
se reúnem para reviver os “velhos tempos”
Por Verônica M. de Oliveira
O
voo livre foi o esporte da década de 80 e encantava a todos que, ao olharem
para o céu, se deparavam com os “homens pássaros” com suas asas multicoloridas.
E pensar que tudo começou quando o francês, StephanSegonzac fez sua primeira
decolagem do Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, em 1974, de acordo com
registros da Associação Brasileira de Voo Livre. Em Niterói, o esporte foi
introduzido no ano seguinte por nomes como Carlos Otávio Antunes, Marcos
Cardoso (Coquito) e Ricardo Campos (Boca). Esses três e mais um grupo seleto
de, no máximo, dez voadores se reúnem anualmente na casa de um deles para
relembrar os velhos tempos e, alguns, para falar de suas vivências ainda no voo
livre ou em outros esportes.
Conforme
conta o empresário Marcos Cardoso, a ideia é reunir os remanescentes do voo
livre, os chamados “Voadores Jurássicos”. “Foi assim que a Sandra (Vergara)
decidiu batizar o grupo”, conta ele, fazendo referência à esposa de um dos
voadores, OdilonTerzella. Recentemente, eles se reuniram na casa do próprio
Coquito, em Camboinhas, para a décima edição do encontro, sempre regado com
muitas risadas, lembranças e conversas sobre o esporte. O próprio anfitrião não
deixou jamais de voar. Até 1995, ainda de asa delta, com o tempo, foi
substituindo-a por voos de trike e, de uns tempos para cá, por um ultraleve,
que fica baseado no hangar em Itapema, município de Santa Catarina.
Além
dele, também compõem o grupo Antonio Calmon, o cirurgião plástico Luiz
Pimentel, o empresário Paulo Freitas, o arquiteto Odilon Terzella, HiroshiKoiwai,
Renato Mesquita, o músico KakaoFigueiredo e José Guilherme Lopes Lessa (Zé
Gala), entre outros. Desses nomes citados, alguns ainda permanecem no esporte.
É o caso de Kakao Figueiredo, que, desde criança, sonhava
em voar. Até que, em 1979, um amigo e “parceiro” de surf, Maurício Borges e o
Zé Gala começaram a fazer o curso de voo livre. “Então eu e um outro amigo, Zé
Pitu, nos interessamos em fazer o curso com o primeiro voador Luís Carlos
Mattos, em Jacarepaguá”, relata. Naquele tempo, ainda eram as asas deltas rogallo
vulgo “bacalhau”, linguajar da época para os equipamentos utilizados durante a
escola de voo.
Depois
do seu primeiro voo em Charitas, em 1980, ele nunca mais parou. Naquele ano
mesmo disputaria um campeonato que renderia para ele o primeiro lugar e vários
patrocínios, como o da Shop 126, Rádio Maldita FM, Rádio Cidade, Ellus e Redley.
De todos os lugares em que esteve voando, ele elenca um voo que fez na Bahia de
130 Km em linha reta. “Nesse voo você decola do deserto, na serra da Jiboia, e
vai voando até Lençóis, quando não é mais deserto e é uma área da Chapada
Diamantina. Esse foi um voo muito bonito”, revela. Entretanto, tem também os
chamados “perrengues” (sufoco), como o do voo de Brasília, quando voou com a
asa errada em uma rampa errada, onde conta que não se voa mais, e ele saiu com
um braço quebrado e o equipamento destruído.
Nesse
aspecto, Kakao Figueiredo explica que as asas deltas de hoje são muito mais
seguras, voam mais alto, com mais velocidade e autonomia, proporcionando um
controle maior do praticante. Sobre o prazer de voar, ele faz uma síntese que
soa bastante poético. “Para mim, voar é liberdade total, é o contato com Deus,
com a natureza na sua forma mais pura e simples”, destaca com emoção. Entre os
“points” do esporte, Antonio Calmon, também presente nesse último encontro,
destacou a cidade de Governador Valladares, Penedo, Visconde de Mauá e a Serra
da Bocaina, na divisa entre São Paulo e o Rio de Janeiro, com 1.800 metros de
altura. “Cada lugar desse marcou um tempo em nossas vidas”, afirma.
Sobre
os sufocos, Calmon ressalva que “arborizar” (ficar agarrado em uma árvore), por
exemplo, faz parte do voo e todo o praticante já está preparado para esses
imprevistos. Nesse aspecto, ele gosta de traçar uma comparação. “Ninguém deixa
de andar de bicicleta, após um tombo. Dessa forma, também acontece com o voo
livre”, fala. De acordo com ele, os tombos de moto foram muito piores e durante
o voo nunca quebrou nenhum osso. E, nesse sentido, o mesmo sentimento de
liberdade é compartilhado e realçado entre todos aqueles que falam sobre o
esporte. Para o cirurgião plástico, Luís Pimentel, que voava de três a quatro
dias por semana, suas horas vagas do trabalho como médico eram totalmente
dedicados ao esporte. “Eu ia em casa almoçar, pegava o equipamento e rumava
para São Conrado, onde ficava até as oito da noite. Na volta, passava no
hospital e examinava os pacientes”, conta.
Pimentel,
que é nome de uma rampa de difícil acesso em Niterói e com uma das mais belas
vistas, fala sobre o que representa voar para ele. “Eu preferia o voo do que
qualquer outra coisa. O voo curava tudo”, revela. Agora, ele prefere jogar
golf, o qual se considera um “fanático”, e shuffleboard. Em contraposição, para
Marcos Cardoso, vulgo Coquito, essa paixão por voar não cessa. “Essa é uma
emoção indescritível. De cima, o visual é sempre mais grandioso. E as emoções
se dividem entre a decolagem, o voo e o pouso”, conclui. Com o voo livre viajou
o Brasil inteiro e conta que o maior desafio sempre era o de voar em locais
diferentes, onde a emoção sempre se renovava. E agora, com o ultraleve, esse
sentimento também se renova a cada decolagem.
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