quarta-feira, 7 de novembro de 2018

Baseado em uma história real dos anos 1970, 'Infiltrado na Klan' é um Spike Lee necessário e assustadoramente atual


Dobradinha do diretor com o produtor Jordan Peele estreia no Brasil dia 22 de novembro e tem sessões programadas para o Festival do Rio, incluindo em Niterói. Vencedor do Grande Prêmio do Júri em Cannes, filme renova a carreira de Lee e pode ser forte candidato na corrida ao Oscar

Marcella Vieira*

De documentários a curtas, de clipes musicais e séries de TV, além, é claro, dos filmes. Muitos filmes. Spike Lee é, definitivamente, um diretor prolífico. E tudo isso combinado à já tradicionalíssima presença que ele sempre marca nos jogos de seu amado time de basquete de Nova York, os Knicks (em 2016, ele estava lá, torcendo no Madison Square Garden, em plena noite do... Oscar). E nessa potente carreira que já ultrapassa três décadas, é natural a existência de altos e baixos, de momentos de maior ou menor reconhecimento. Com “Infiltrado na Klan”, filme que ganhou o prestigiado Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes, Lee mostra mais um de seus talentos: a capacidade de reinvenção. Nesse caso, ele conseguiu um auxílio luxuoso ao se unir com o badalado ator, diretor e roteirista Jordan Peele, do sucesso de 2017 “Corra!”. Peele é um dos produtores de “Infiltrado...” (cujo ótimo título original é “BlacKkKlansman”), o que é um empurrão mais do que bem-vindo à carreira de Spike Lee para as novas gerações. Não à toa, sua carreira ganha uma interessante retrospectiva em mostras simultâneas que ocorrerão nos Centros Culturais Banco do Brasil de Rio, São Paulo e Brasília, nos meses de novembro e dezembro. 
 Com uma pegada vintage, um turbilhão de referências, baitas homenagens a personagens e ativistas negros, incrível trilha sonora e cenas repletas de ritmo, o filme não decepciona e mantém uma conexão muito especial com o público, seja ele formado por fãs do diretor ou por uma nova geração que talvez sequer o conhecesse. É um filme pop por excelência, das roupas às músicas, passando pelas boas (sempre contundentes, nunca exageradas ou fora de hora) piadas. Quando citamos essas características, a impressão é de um filme de tema leve e banal. Ao contrário, o que dá sustentação a tudo isso não tem qualquer leveza: é a história real, ocorrida no final de década de 1970, do policial negro Ron Stallworth– o primeiro a ingressar no Departamento de Polícia da cidade de Colorado Springs, no estado do Colorado – que se infiltrou na filial do grupo racista KuKluxKlan em sua cidade.
O trabalho de investigação foi feito em parceria com o colega FlipZimmerman, policial branco que se passava por Stallworth nas reuniões do grupo. E é essa parceria que garante momentos excelentes, ora engraçados, ora tensos, nas relações que os dois estabelecem com a KKK. Os absurdos e preconceitos horrendos que ambos ouvem e presenciam (Zimmerman, que é judeu, é obrigado a ouvir barbaridades antissemitas quando está na companhia dos membros da organização) em nome da investigação são de embrulhar estômagos. Mas eles persistem em prol de uma ação maior, que consegue, inclusive, deter ações de violência que vinham sendo planejadas pelo grupo. Em meio a tudo isso, Stallworth ainda equilibra um início de relacionamento com Patrice, uma jovem ativista do movimento negro estudantil.
 O trio principal de atores carrega seus papeis com uma vivacidade bonita. Eles são claramente bem dirigidos e sabem dar nuances a seus personagens. John David Washington (da série “Ballers”) empresta de tudo a seu Ron Stallworth: carisma, leveza, esperteza, ousadia, insegurança. Adam Driver – o KyloRen nos novos filmes da saga Star Wars, ator hipster que virou galã improvável com a série “Girls” e que vem acumulando trabalhos com grandes diretores como Scorsese e Steven Soderbergh – também carrega bem o misto de desconforto e ojeriza que a investigação causa em seu personagem com um sentimento crescente de parceria (apesar de alguns estranhamentos) em relação a seu colega. Laura Harrier, que despontou no cinema com “Homem-Aranha: De Volta ao Lar”, dá vida a uma Patrice sempre desconfiada de Ron, sempre alerta em relação às brutalidades da polícia com os negros e lealmente apegada aos ideais do movimento estudantil do qual fazia parte.
 Os coadjuvantes do filme, incluindo os membros da KKK e os demais colegas de Departamento de Polícia de Ron e Flip, compõem muito bem a loucura que parecia ser a investigação. Um dos policiais, o engraçado Jimmy Creek, é interpretado por Michael Buscemi, irmão de Steve Buscemi. No outro polo, o ator Paul Walter Hauser mostra que vem se especializando em fazer o estilo whitetrash (ele já havia roubado a cena com um tipo parecido em “Eu, Tonya”). E é com a ajuda desses personagens secundários que entram diálogos muito bem afiados com aquela que parece a clara proposta do filme: atualizar uma história que tem quase 40 anos. Em um desses diálogos, o sargento Trapp, chefe direto dos dois policiais, conversa com Ron sobre as grandes possibilidades de um futuro presidente dos EUA corroborar as barbaridades defendidas pela KuKluxKlan, mas de um jeito mais palatável para o grande público americano. A política sendo usada para vender ódio. Stallworth não acredita e seu chefe devolve: “Para um negro, você é muito ingênuo”. Nem é preciso dizer que Trapp adivinhou em cheio. A propósito, numa das casas onde se dava um encontro de integrantes da Klan, uma foto da campanha de Ronald Reagan (presidente Republicano dos Estados Unidos de 1981 a 1989) estampava a parede. 

Assista ao trailer de Infriltrado na Klan

E é essa a mira de Spike Lee o tempo todo no filme: fazer com que, muito tristemente e muito desconfortavelmente, transportemos vários daqueles discursos para os dias de hoje, para os políticos (em altíssimos cargos, diga-se de passagem) de hoje, para o ódio que permeia as relações políticas de hoje – e de tantos outros tempos. Nessa trajetória da improvável história do policial infiltrado, o diretor mostra seus tons de ativismo (algo que tanto tentam criminalizar lá e aqui), incomoda e emociona em vários momentos. O depoimento de um personagem fictício interpretado pelo grande Harry Belafonte; a exibição de “O nascimento de uma nação”, filme do início do século XX cultuado por racistas norte-americanos, em uma cerimônia da KKK; a câmera quase colada nos rostos dos atores numa bela homenagem aos filmes da Blaxploitationsão alguns dos muitos exemplos do misto de sentimentos que o diretor consegue causar na plateia ao longo do filme. Os links ficam completos com as cenas finais do filme: assustadoramente reais e recentes, muito recentes.
 Um dos tantos personagens da Klan que causa profundo incômodo é David Duke, ex-líder (real) da organização racista, negador do Holocausto e figura (ainda) proeminente entre os supremacistas brancos dos EUA. Sua fala lenta e supostamente mansa é carregada de ódio e preconceito. E assim ele carrega uma legião de seguidores, como o casal Kendrickson, que reúne a dona de casa supostamente simpática e inofensiva ao sujeito paranoico e misógino, ambos racistas até os últimos fios de cabelo.
 Aliás, se o nome de David Duke está soando familiar para o leitor, há razões bastante atualizadas: ele foi uma das vozes da marcha de supremacistas em Charlotsville, em 2017. E há poucas semanas, durante o período eleitoral, seu nome esteve em voga em diversos veículos de imprensa do Brasil por ele ter elogiado, em seu programa de rádio, um dos então candidatos à Presidência. Em suas declarações, Duke afirmara que o político “soa como nós” e é “um nacionalista”. Não é difícil adivinhar de quem ele falava.

"Infiltrado na Klan" está previsto para estrear no Brasil dia 22 de novembro, com distribuição da Universal Pictures. Antes, o filme tem mais três exibições no Festival do Rio, incluindo uma em Niterói. Confira os dias, horários e locais:
 7/11 (quarta-feira) – 18h30 – Reserva Cultural Niterói (sala 1)
9/11 (sexta-feira) – 16h – Estação NET Ipanema (sala 2)
10/11 (sábado) – 18h40 –Kinoplex São Luiz (sala 2)

*Marcella Vieira, jornalista, está na cobertura do @Festival do Rio pelo Jornal Casa da Gente.  


Um comentário:

  1. Interessante, você gostou do filme? É excelente, sinto que história é boa, mas o que realmente faz a diferença é a participação do ator Adam Driver neste filme. Eu o vi recentemente em Lucky Logan Roubo em Família, você viu? A participação do ator foi fundamental. Adorei, pessoalmente eu acho que é um dos top filmes comedia que nos prende. A historia está bem estruturada, o final é o melhor! Sem dúvida a veria novamente, se ainda não tiveram a oportunidade de vê-lo, eu recomendo. Cuida todos os detalhes e como resultado é uma grande produção.

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