O professor André Dias faz um
perfil do escritor, que será homenageado na 15ª Festa
Literária Internacional de Paraty
Eleger Lima Barreto como autor
homenageado da 15ª Festa Literária Internacional de Paraty – FLIP – em 2017 é
franquear aos leitores contemporâneos o acesso a uma das vozes mais potentes da
literatura brasileira de todos os tempos. O escritor carioca, em seus breves 41
anos de vida, soube como poucos desafinar o coro dos contentes através de uma
obra diversa, distante dos contorcionismos lingüísticos que, via de regra,
grassavam nos meios intelectuais e artísticos do Brasil do início do século XX.
É bem verdade que certa parte da
crítica literária atribuiu a Lima Barreto a pecha de escritor desleixado. Tal
juízo deixa entrever, de um lado, a submissão da crítica a uma linguagem de
cartola e fraque e, de outro, a miopia analítica dos que insistiam em avaliar a
obra do romancista exclusivamente a partir de sua biografia acidentada e
boêmia.
Dono de estilo livre dos “bons
modos literários”, pioneiro em dar protagonismo aos pobres que tanto
desconforto provocavam nas perfumadas elites brasileiras, Lima Barreto conheceu
bem os desafios de transitar entre mundos. Ao mesmo tempo em que participava
dos debates intelectuais e da vida literária nos cafés do Centro da cidade, à
noite, retornava para sua “Vila Quilombo”, situada no bairro de Todos os
Santos, subúrbio da Central. Lima Barreto era negro numa sociedade em que as
classes hegemônicas se pretendiam brancas. Alcoólatra em um mundo que se
supunha regido pela razão positivista. O escritor viveu de modo intenso a
experiência da cisão e essa vivência se consubstanciou em matéria de memória
para sua produção literária. O criador
do major Policarpo Quaresma escreveu cartas, diários, crônicas, contos, sátira
e romances. Transitou com denodo pelas diversas formas do gênero narrativo,
sendo o seu móvel principal a preocupação em construir uma obra densa e
profundamente humana nas suas potencialidades de algumas grandezas e muitas
contradições.
Após sua morte, em 1922, Lima
Barreto e sua obra passaram por uma espécie de exílio imposto pelo silêncio,
entre outras razões, pela indiferença de parte da crítica que pareceu não
compreender bem seu legado e pela inaptidão de um mercado editorial provinciano
e ávido por novidades. Foram precisos quase trinta anos para que, nos anos de
1950, as mãos firmes de Francisco de Assis Barbosa em parceria com Antônio
Houaiss e M. Cavalcanti Proença reabilitassem para o público a obra de Lima
Barreto. Hoje, uma nova geração de estudiosos e leitores tem a oportunidade de
se debruçar sobre a obra de um autor incontornável para todos aqueles que
pretendem pensar com profundidade a cultura brasileira do passado e do
presente.
Em um tempo em que a desfaçatez e
o cinismo dão o tom dos rumos do país é mais do que necessário voltar à obra de
um dos maiores dissonantes que a literatura brasileira já produziu. Viva Afonso Henriques de Lima Barreto, escritor
brasileiro!
André Dias é Professor de Literatura Brasileira e do Programa de
Pós-Graduação em Estudos de Literatura da Universidade Federal Fluminense –
UFF. Ele é autor do livro "Lima Barreto e Dostoiévski: Vozes Dissonantes",
Editora da UFF, 2012. A 15ª Festa Literária Internacional
de Paraty – FLIP acontece de 26 a 30 de julho, na cidade de Paraty, no sul do
Estado do RJ. Para conhecer a programação completa, acesse: http://flip.org.br/
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