quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Nas asas da memória


Praticantes de voo livre se reúnem para reviver os “velhos tempos”

Por Verônica M. de Oliveira

O voo livre foi o esporte da década de 80 e encantava a todos que, ao olharem para o céu, se deparavam com os “homens pássaros” com suas asas multicoloridas. E pensar que tudo começou quando o francês, StephanSegonzac fez sua primeira decolagem do Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, em 1974, de acordo com registros da Associação Brasileira de Voo Livre. Em Niterói, o esporte foi introduzido no ano seguinte por nomes como Carlos Otávio Antunes, Marcos Cardoso (Coquito) e Ricardo Campos (Boca). Esses três e mais um grupo seleto de, no máximo, dez voadores se reúnem anualmente na casa de um deles para relembrar os velhos tempos e, alguns, para falar de suas vivências ainda no voo livre ou em outros esportes.
Conforme conta o empresário Marcos Cardoso, a ideia é reunir os remanescentes do voo livre, os chamados “Voadores Jurássicos”. “Foi assim que a Sandra (Vergara) decidiu batizar o grupo”, conta ele, fazendo referência à esposa de um dos voadores, OdilonTerzella. Recentemente, eles se reuniram na casa do próprio Coquito, em Camboinhas, para a décima edição do encontro, sempre regado com muitas risadas, lembranças e conversas sobre o esporte. O próprio anfitrião não deixou jamais de voar. Até 1995, ainda de asa delta, com o tempo, foi substituindo-a por voos de trike e, de uns tempos para cá, por um ultraleve, que fica baseado no hangar em Itapema, município de Santa Catarina.
Além dele, também compõem o grupo Antonio Calmon, o cirurgião plástico Luiz Pimentel, o empresário Paulo Freitas, o arquiteto Odilon Terzella, HiroshiKoiwai, Renato Mesquita, o músico KakaoFigueiredo e José Guilherme Lopes Lessa (Zé Gala), entre outros. Desses nomes citados, alguns ainda permanecem no esporte. É o caso de Kakao Figueiredo, que, desde criança, sonhava em voar. Até que, em 1979, um amigo e “parceiro” de surf, Maurício Borges e o Zé Gala começaram a fazer o curso de voo livre. “Então eu e um outro amigo, Zé Pitu, nos interessamos em fazer o curso com o primeiro voador Luís Carlos Mattos, em Jacarepaguá”, relata. Naquele tempo, ainda eram as asas deltas rogallo vulgo “bacalhau”, linguajar da época para os equipamentos utilizados durante a escola de voo.
Depois do seu primeiro voo em Charitas, em 1980, ele nunca mais parou. Naquele ano mesmo disputaria um campeonato que renderia para ele o primeiro lugar e vários patrocínios, como o da Shop 126, Rádio Maldita FM, Rádio Cidade, Ellus e Redley. De todos os lugares em que esteve voando, ele elenca um voo que fez na Bahia de 130 Km em linha reta. “Nesse voo você decola do deserto, na serra da Jiboia, e vai voando até Lençóis, quando não é mais deserto e é uma área da Chapada Diamantina. Esse foi um voo muito bonito”, revela. Entretanto, tem também os chamados “perrengues” (sufoco), como o do voo de Brasília, quando voou com a asa errada em uma rampa errada, onde conta que não se voa mais, e ele saiu com um braço quebrado e o equipamento destruído.
Nesse aspecto, Kakao Figueiredo explica que as asas deltas de hoje são muito mais seguras, voam mais alto, com mais velocidade e autonomia, proporcionando um controle maior do praticante. Sobre o prazer de voar, ele faz uma síntese que soa bastante poético. “Para mim, voar é liberdade total, é o contato com Deus, com a natureza na sua forma mais pura e simples”, destaca com emoção. Entre os “points” do esporte, Antonio Calmon, também presente nesse último encontro, destacou a cidade de Governador Valladares, Penedo, Visconde de Mauá e a Serra da Bocaina, na divisa entre São Paulo e o Rio de Janeiro, com 1.800 metros de altura. “Cada lugar desse marcou um tempo em nossas vidas”, afirma.
Sobre os sufocos, Calmon ressalva que “arborizar” (ficar agarrado em uma árvore), por exemplo, faz parte do voo e todo o praticante já está preparado para esses imprevistos. Nesse aspecto, ele gosta de traçar uma comparação. “Ninguém deixa de andar de bicicleta, após um tombo. Dessa forma, também acontece com o voo livre”, fala. De acordo com ele, os tombos de moto foram muito piores e durante o voo nunca quebrou nenhum osso. E, nesse sentido, o mesmo sentimento de liberdade é compartilhado e realçado entre todos aqueles que falam sobre o esporte. Para o cirurgião plástico, Luís Pimentel, que voava de três a quatro dias por semana, suas horas vagas do trabalho como médico eram totalmente dedicados ao esporte. “Eu ia em casa almoçar, pegava o equipamento e rumava para São Conrado, onde ficava até as oito da noite. Na volta, passava no hospital e examinava os pacientes”, conta.
Pimentel, que é nome de uma rampa de difícil acesso em Niterói e com uma das mais belas vistas, fala sobre o que representa voar para ele. “Eu preferia o voo do que qualquer outra coisa. O voo curava tudo”, revela. Agora, ele prefere jogar golf, o qual se considera um “fanático”, e shuffleboard. Em contraposição, para Marcos Cardoso, vulgo Coquito, essa paixão por voar não cessa. “Essa é uma emoção indescritível. De cima, o visual é sempre mais grandioso. E as emoções se dividem entre a decolagem, o voo e o pouso”, conclui. Com o voo livre viajou o Brasil inteiro e conta que o maior desafio sempre era o de voar em locais diferentes, onde a emoção sempre se renovava. E agora, com o ultraleve, esse sentimento também se renova a cada decolagem.

Um comentário:

  1. Uau!... Muito legal essa história, reconheço na foto alguns queridos amigos pilotos, inclusive meu instrutor, o suiço Engº Fritz Meier. Pena que não nos colocam nela. Sou Mária Gábriel Wojnowski e voo em Niterói, meu irmão Jan Gabriel e eu, desde os nos 70, precisamente 78. Por que nunca mencionam as mulheres? Bom, espero que não nos esqueçam mais. E voo até hoje, e em Niterói que amo também... Em 2025, são 48 anos que pratico o Voo Livre (voo desde 1977 quando tinha 17 anos e meu irmão 15). Inclusive ensinamos alguns de Niterói a voar de asa delta e que voam até hoje. Família do Voo Livre, mas a história das mulheres aviadoras não deve ser esquecida. Tenho fotos, arquivos de jornais e... como nunca pertenci a grupo algum (pois fazia 2 Cursos universitários na época, não tinha muito tempo, nosso pai que nos levava...), tudo para mim era muito exigido, assim fui a primeira mulher credenciada a voar, pela ABVL (nosso primeiro clube de voo antges que outros surgissem e comecei em uma asa detla Rogallo suiça adquirida do Fritz). Até hoje penso como pilotas (pilota, termos que existe desde os anos 60 e é muito usado no automobilismo e na aviação, só no Voo Livre não é bem aceito, por que mesmo?) como Paulinha, Keka, só se credenciaram anos depois e como podeiam participar de Campeonatos se até para subir para a rampa da Pedra Bonita tínhamos que ter ABVL, agora CBVL? (tenho recortes de jornais falando sobre isso, fazíamos provas teóricas e práticas... ). Bom, amo Niterói onde voo até hoje e sempre sou recebida com muito carinho. Meus filhos voaram lá também. Minha filha Monika Wojnowski voa de asa delta, voou lá e até meu neto Max com 9 anos conseguiu um voo triplo de parapente comigo lá graças ao super instrutor Luciano Miranda (vento forte, ele com 9 anos é peso leve, tive que ir junto). Amamos voar, herdamos o amor de nosso pai, polonês, Engº Antoni Gabriel (que construiu um avião de 27 aos 28 anos e voou nele e até hoje escrevem e fazem menção sobre isso, é conhecido como o "Icaro da Silésia, Polônia") e passamos esse amor aos nossos filhos, meu irmão ao filho (meu sobrinho é instrutor de asa em São Conrado e voa desde os 15 anos também) e eu aos meus filhos Monika e Matheus.

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