quinta-feira, 18 de outubro de 2018

O fantasma da censura ronda... Portugal

Um dos principais festivais de cinema do país denuncia pressões diplomáticas sobre sua programação

Por Cristiana Giustino *
(de Lisboa, especial para o CASA DA GENTE)

O DocLisboa, festival internacional de cinema dedicado ao documentário, acontece este mês em várias salas da capital portuguesa. São 243 longas, médias e curtas de 54 países, inclusive do Brasil, exibidos nos “ecrãs” lisboetas, como chamam por aqui as telas. Aplaudido pela crítica mundial especializada e amplamente reconhecido pelos principais festivais internacionais do gênero, o DocLisboa acumulou mais de 350 mil espectadores ao longo de suas 16 edições. Mas a grandeza e importância do festival não impediram que este sofresse, por parte de duas Embaixadas, investidas oficiais para mudanças em sua programação.

Segundo Cíntia Gil, uma das diretoras do festival, é a primeira vez que o DocLisboa sofre pressões diplomáticas. "Considero que o filme de Aliona Polunina é uma prova de apoio desta à política agressiva do Kremlin a respeito da Ucrânia", lê-se na carta enviada pela Embaixada da Ucrânia à direção do festival. O objetivo era retirar da programação o filme Their own Republic, de Aliona Polunina, selecionado para a competição internacional.

Their own Republic, alvo da diplomacia ucraniana

O outro foco de pressão teria vindo da representação turca, que questionou a redação das sinopses de dois dos filmes em programa. A “queixa” foi feita numa reunião da direção do festival com uma representante da embaixada da Turquia, a pedido desta. A representante queria a retirada das sinopses de dois filmes – Yol: The Full Version e Armenia, Cradle of Humanity– das expressões "aniquilação do povo curdo" e, referindo-se à Arménia, "local de um dos genocídios mais violentos do século passado".

As referidas pressões não funcionaram. A direção do DocLisboa trouxe a público os fatos e tanto filmes quanto as redações originais das sinopses foram mantidos na 16ª edição do festival.

Documentários brasileiros

O Brasil tem cinco títulos presentes na programação. Alma Clandestina (2018), de Jose Barahona, tem estreia mundial em Lisboa e apresenta a biografia da ativista política Maria Auxiliadora Lara Barcelos, que lutou contra a ditadura brasileira nos anos 1960, foi presa, torturada e banida do Brasil, suicidando-se em Berlim, em 1976. Na mostra Cinema de Urgência temos Operações de Garantia da Lei e da Ordem (2017), de Júlia Murat, que trata das disputas de narrativas em torno das manifestações de junho de 2013.

Alma Clandestina, de Jose Barahona

Também presentes o média-metragem Ava Yvy Vera- A Terra do Povo do Raio (2016), realizado por um coletivo indígena, que conta a história da resistência deste povo, e ainda os curtas Maré (2018), de Amaranta Cesar, e Tabu, Propriedade Privada (2018), de Maria Ganem, uma coprodução Brasil e Portugal. O primeiro retrata três gerações de mulheres quilombolas e suas inquietações. O segundo problematiza o encontro entre os europeus e nativos do Taiti a partir de registros de viagem dos anos 1960.

O Brasil conta também com a presença de dois jovens realizadores brasileiros nas oficinas do DocLisboa. A roteirista mineira Deborah Viegas traz seu texto Amor e Medos Estranhos, à Oficina de Escrita e Desenvolvimento de Projeto, tutorada por Marta Andreu. De Fortaleza vem o produtor Leonardo Moura Mateus com o projeto Crime, para a Oficina de Desenvolvimento em Diálogo tutorada por Andrés Duque.

Alguns destaques da programação

Homenagem a Luis Ospina – O mais importante realizador colombiano contemporâneo é o convidado de honra do DocLisboa. Fundador do Grupo de Cali e expoente do cinema independente da Colômbia, Ospina é autor de uma vasta filmografia, entre ficções, documentários e filmes experimentais, que trabalha a intersecção entre audiovisual e artes visuais, apresentando uma sociedade colombiana para além dos estereótipos.

Parceria entre DocLisboa e ModaLisboa – O principal evento de moda da cidade aliou-se ao festival de cinema para a sessão de estreia do filme Westwood: Punk, Icon, Activist, sobre a dama do punk rock Vivienne Westwood. A diretora do doc, Lorna Tucker, debate moda e ativismo com a designer e pesquisadora Olga Noronha.

Olhar crítico sobre mudanças na cidade de LisboaAlisUbbo (2018), do português Paulo Abreu, acompanha com ironia os dois últimos anos de mudanças na paisagem urbana lisboeta em decorrência do grande crescimento do turismo.

O distópico Alis Ubbo

O novo Fahrenheit de Michael Moore – Não se trata de Fahrenheit 9/11, de 2004. O realizador exibe no DocLisboa seu novo documentário, Fahrenheit 11/9, em que busca entender como Donald Trump foi eleito. Moore havia previsto a vitória do milionário seis meses antes das eleições de 2016.

Um filme que dura quase o dia inteiro – Filmado entre 2005 e 2017, Dead Souls (2018), uma coprodução China e França, dá voz aos sobreviventes de um capítulo sombrio da história da China: os campos de “reeducação” chineses, campos de trabalho forçado. A projeção é, por assim dizer, intensa. São mais de 8 horas de duração.        
                                           
*Cristiana Giustino é gestora e produtora cultural

Um comentário:

  1. Muito bom, Cris! e parabéns ao festival por não ter cedido às pressões.

    ResponderExcluir