Por Cristiana Giustino *
(de Lisboa, especial para o CASA DA GENTE)
O DocLisboa, festival internacional
de cinema dedicado ao documentário, acontece este mês em várias salas da
capital portuguesa. São 243 longas, médias e curtas de 54 países, inclusive do
Brasil, exibidos nos “ecrãs” lisboetas, como chamam por aqui as telas. Aplaudido
pela crítica mundial especializada e amplamente reconhecido pelos principais
festivais internacionais do gênero, o DocLisboa acumulou mais de 350 mil
espectadores ao longo de suas 16 edições. Mas a grandeza e importância do
festival não impediram que este sofresse, por parte de duas Embaixadas, investidas
oficiais para mudanças em sua programação.
Segundo Cíntia Gil, uma das diretoras
do festival, é a primeira vez que o DocLisboa sofre pressões diplomáticas. "Considero
que o filme de Aliona Polunina é uma prova de apoio desta à política agressiva
do Kremlin a respeito da Ucrânia", lê-se na carta enviada pela Embaixada
da Ucrânia à direção do festival. O objetivo era retirar da programação o filme
Their own Republic, de
Aliona Polunina, selecionado para a competição internacional.
Their own Republic, alvo da diplomacia
ucraniana
O outro foco de pressão teria
vindo da representação turca, que questionou a redação das sinopses de dois dos
filmes em programa. A “queixa” foi feita numa reunião da direção do festival
com uma representante da embaixada da Turquia, a pedido desta. A representante
queria a retirada das sinopses de dois filmes – Yol: The Full Version e Armenia,
Cradle of Humanity– das expressões "aniquilação do povo curdo" e,
referindo-se à Arménia, "local de um dos genocídios mais violentos do
século passado".
As referidas pressões não
funcionaram. A direção do DocLisboa trouxe a público os fatos e tanto filmes
quanto as redações originais das sinopses foram mantidos na 16ª edição do
festival.
Documentários brasileiros
O Brasil tem cinco títulos
presentes na programação. Alma Clandestina
(2018), de Jose Barahona, tem estreia mundial em Lisboa e apresenta a biografia
da ativista política Maria Auxiliadora Lara Barcelos, que lutou contra a ditadura
brasileira nos anos 1960, foi presa, torturada e banida do Brasil, suicidando-se
em Berlim, em 1976. Na mostra Cinema de Urgência temos Operações de Garantia da Lei e da Ordem (2017), de Júlia Murat, que
trata das disputas de narrativas em torno das manifestações de junho de 2013.
Alma Clandestina, de Jose Barahona
Também presentes o média-metragem
Ava Yvy Vera- A Terra do Povo do Raio
(2016), realizado por um coletivo indígena, que conta a história da resistência
deste povo, e ainda os curtas Maré
(2018), de Amaranta Cesar, e Tabu,
Propriedade Privada (2018), de Maria Ganem, uma coprodução Brasil e
Portugal. O primeiro retrata três gerações de mulheres quilombolas e suas
inquietações. O segundo problematiza o encontro entre os europeus e nativos do
Taiti a partir de registros de viagem dos anos 1960.
O Brasil conta também com a
presença de dois jovens realizadores brasileiros nas oficinas do DocLisboa. A
roteirista mineira Deborah Viegas traz seu texto Amor e Medos Estranhos, à Oficina de Escrita e Desenvolvimento de
Projeto, tutorada por Marta Andreu. De Fortaleza vem o produtor Leonardo
Moura Mateus com o projeto Crime, para
a Oficina de Desenvolvimento em Diálogo tutorada por Andrés Duque.
Alguns destaques da programação
Homenagem a Luis Ospina – O mais
importante realizador colombiano contemporâneo é o convidado de honra do DocLisboa.
Fundador do Grupo de Cali e expoente do cinema independente da Colômbia, Ospina
é autor de uma vasta filmografia, entre ficções, documentários e filmes
experimentais, que trabalha a intersecção entre audiovisual e artes visuais,
apresentando uma sociedade colombiana para além dos estereótipos.
Parceria entre DocLisboa e ModaLisboa – O principal evento
de moda da cidade aliou-se ao festival de cinema para a sessão de estreia do
filme Westwood: Punk, Icon, Activist,
sobre a dama do punk rock Vivienne Westwood. A diretora do doc, Lorna Tucker,
debate moda e ativismo com a designer e pesquisadora Olga Noronha.
Olhar crítico sobre mudanças na
cidade de Lisboa –AlisUbbo (2018), do
português Paulo Abreu, acompanha com ironia os dois últimos anos de mudanças na
paisagem urbana lisboeta em decorrência do grande crescimento do turismo.
O distópico Alis Ubbo
O novo Fahrenheit
de Michael Moore – Não se trata de Fahrenheit
9/11, de 2004. O realizador exibe no DocLisboa seu novo documentário, Fahrenheit 11/9, em que busca entender
como Donald Trump foi eleito. Moore havia previsto a vitória do milionário seis
meses antes das eleições de 2016.
Um filme que dura quase o dia inteiro – Filmado entre 2005 e
2017, Dead Souls (2018), uma
coprodução China e França, dá voz aos sobreviventes de um capítulo sombrio da
história da China: os campos de “reeducação” chineses, campos de trabalho forçado.
A projeção é, por assim dizer, intensa. São mais de 8 horas de duração.
*Cristiana
Giustino é gestora e produtora cultural
Muito bom, Cris! e parabéns ao festival por não ter cedido às pressões.
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